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Pires Mariana

1983

Era 1983, numa pequena vila onde predominava o verde dos campos e dos arbustos que os envolviam.  No meio daqueles campos todos, existia um em que a sua beleza sobressaía, apesar de parecer comum a olho nu.

Este campo era coberto por um relvado fresco devido à humidade veranil que se instalava à medida que chegava o sétimo mês do ano, onde a sorte, a liberdade e a bonança predominam. Os pássaros chilreavam e formavam harmonias que exaltavam este sentimento de sossego e desafogo.

Espalhadas pelo pequeno campo encontravam-se pequenas margaridas, papoilas, alguns girassóis perdidos e bastantes trevos. Flores de diferentes cores e feitios tal como as emoções de quem aqui passou o verão. Falo de Aurora. Uma adolescente que morava nesta vila e que apesar de adorar todas as flores do campo e de as colher pontualmente, era mais dada às orquídeas. Possuía muitas destas em sua casa e regava-as religiosamente todos os fins de semana sem deixar que ninguém da sua família o fizesse pois era a sua função. Era bastante ligada à natureza e quem a conhecia, sabia que transmitia uma serenidade absurda. Era do tipo de pessoa que sabia que só vivia uma vez e nesta altura do ano esse sentimento aprofundava-se-lhe na pele. Entrava-lhe por cada poro até à raiz de cada pelo e perfurava-lhe cada camada de si até se poder dizer que lhe corria no sangue. Era do tipo de pessoa que gostava de pisar em tudo o que era rocha e gostava de ir sempre para além daquilo em que os nossos pés podiam tocar. Gostava de se sentir livre e de certa forma interligada com o ar que respirava e com os sons que a envolviam. O seu sorriso era dos que apagava muitas confusões e acalmava muitas marés.

Aurora tinha amigos que moravam aqui nesta mesma vila que ela e passavam os verões com as mesmas rotinas incansáveis. No verão que passara, descobriram um local onde passavam agora a maior parte do tempo. Era um riacho perdido pelos campos no meio de alguns arvoredos altos e curvados uns para os outros, formando uma pequena cúpula por cima do mesmo. Aurora considerava aquele lugar um indubitável paraíso e tinha compactuado com os amigos em nunca mostrar aquele local a ninguém. “O paraíso”. Paraíso este que tinha um pouco de cada um dos seus amigos. Tinha a natureza de Aurora; o desporto de Marco, que montara uma rede de voleibol; a música de Juno, que levara a sua guitarra; o comodismo de Franco, que levara algumas toalhas onde se podiam “refastelar”, tal como ele dizia.

Os dias passavam até que chegara à vila um casal com o objetivo de passar umas férias e como a vila não era muito grande, foram recebidos com grande amabilidade.

O casal trazia com eles o seu filho, Apolo. E que nome tão incomum.

Apolo tinha os olhos de um castanho doce, cor de café. O seu cabelo era preto e as ondas que nele se formavam faziam lembrar o marulho que no mar se acentua. Ondas estas bastante desalinhadas que elaboravam uma pequena confusão por cima da sua cabeça.

O grupo de Aurora estranhou a chegada desse casal, mas a essência da vila era a amabilidade então receberam Apolo dessa mesma forma. E assim foi. Apesar da sua timidez, o rapaz que era da mesma idade que o grupo, foi-se integrando. Iria passar ali cerca de um mês e mal esperava para conhecer os cantos à casa, mas apesar de gostarem dele, decidiram manter o “paraíso” em segredo por ser algo do grupo e não o conhecerem o suficiente para deixarem um estranho entrar assim na sua bolha. Porém, na cabeça de Aurora não fazia grande sentido. Estava a dar-se lindamente com ele e sabia que não havia problemas em mostrar-lhe aquele espaço. “Não é propriedade privada”, pensava ela. Não perdeu tempo em marcar com ele e decidiu permitir a entrada na sua zona. Sem qualquer medo, sem qualquer receio. Apenas Aurora a ser Aurora, simples.

Apolo não teve outra reação senão espanto. Sentiu-se imediatamente acolhido pela natureza e percebe o amor que ela sente pelo local. Ali ficaram o resto do dia a conversar e a partilhar segredos como se se conhecessem há bastante tempo. Era o verdadeiro significado de dois estranhos que se conheciam, mesmo antes de terem trocado uma palavra. Duas almas que já estariam interligadas. Mas esse fator tornava-os vulneráveis. O facto de se darem dessa maneira fazia com que se sentissem tão bem, mas ao mesmo tempo eram reféns do tempo. Apolo não ficaria para sempre.

Essa tarde multiplicou-se e de tarde passaram a tardes. Passavam agora os dias juntos onde as conversas não tinham fim e nem pensavam em mais nada.

Apolo confessara a Aurora que se sentia atraído por ela, independentemente do tempo há que se conheciam. Ele dizia que a atração que sentia não tinha de ter um significado em especifico. Sentia o que sentia e não tinha de haver toda uma explicação por trás. Dizia até que como prova, deixaria Aurora cortar as ondas do seu cabelo, cortando a maré que ali existia. Era do mais puro que existia. Um amor adolescente e inconsequente e nem eles sabiam do que se tratava esse sentimento.

 

Até que um dia, aconteceu o que mais temiam, sem darem por isso. No fim da estadia da família de Apolo, as flores de Aurora murcharam. Os pássaros pararam de cantar. O sol não brilhava com a mesma intensidade e o riacho parou de correr. Corriam agora as lágrimas de Aurora que se sentia abalada pela a rapidez do tempo. Ele foi embora e ela não tinha pressa. O verão deixou de ter grande sentido para ela.

Eram agora dois estranhos a sorrir para a saudade.




Envoyé: 00:58 Tue, 26 March 2024 par: Pires Mariana age: 18